Estudo mostra conexão de traumas de infância com inflamação e transtorno do pânico
Grupo do Instituto de Psiquiatria da UFRJ conduziu um estudo que buscou entender melhor a interação complexa
The Conversation|Do R7

Traumas vividos na infância podem deixar marcas profundas, não apenas na saúde mental, mas também no funcionamento do corpo como um todo.
Esse impacto, conhecido como desgaste fisiológico, causa uma sobrecarga no organismo que pode influenciar o surgimento de diversas doenças físicas e transtornos psicológicos — possivelmente devido a alterações imunológicas e no cérebro.
Apesar dos avanços nas pesquisas que apontam essas conexões, ainda sabemos pouco sobre os mecanismos biológicos que as explicam. Poucos estudos, por exemplo, investigaram como experiências traumáticas precoces afetam marcadores celulares importantes no sangue de pessoas com transtornos psiquiátricos.
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Diante dessa lacuna, nosso grupo do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) conduziu um estudo inédito que buscou entender melhor a interação complexa entre traumas na infância, inflamação no corpo e transtornos psiquiátricos na vida adulta.
Os resultados foram publicados no periódico internacional Molecular Psychiatry, da editora Springer Nature.
Como o estudo foi feito
Nosso objetivo foi medir os níveis de citocinas inflamatórias, estresse oxidativo e danos ao DNA em pacientes com transtorno do pânico. Também analisamos como esses marcadores se relacionam com experiências traumáticas na infância, especialmente o abuso sexual.
Para isso, selecionamos 38 pacientes com diagnóstico de transtorno do pânico e com histórico de trauma infantil, que não tenham feito uso prévio de medicamentos psiquiátricos ou psicoterapia ao longo da vida. Para determinar a inclusão nos critérios de amostragem, analisamos os prontuários médicos eletrônicos universais, corroborados com entrevistas clínicas.
A escolha de participantes sem medicação foi essencial. Medicamentos psicotrópicos podem alterar o funcionamento do sistema imune e afetar os marcadores que analisamos. Por isso, era importante que o grupo de pacientes não tivesse ado por nenhum tipo de intervenção anterior. Também selecionamos pacientes que não tivessem histórico de uma série de doenças que pudessem afetar os resultados.
Para efeito de comparação, organizamos também um grupo controle com 38 indivíduos saudáveis, que não fizessem uso de medicações regulares e sem histórico de transtornos mentais, pareados por sexo, idade e escolaridade.
Esse grupo foi avaliado pela Mini International Neuropsychiatric Interview e por meio de entrevista com psiquiatras, para garantir que não houvesse condições de saúde mental atuais ou ados que pudessem interferir nos resultados.
O que descobrimos?
Os resultados mostraram, pela primeira vez, que os pacientes com transtorno do pânico que sofreram abuso sexual na infância apresentam níveis elevados da interleucina pró-inflamatória IL-1β - uma proteína associada a doenças autoimunes e inflamatórias. Eles também tiveram aumento de um marcador de estresse oxidativo conhecido pela sigla TBARS. Esses dados sugerem que há uma ativação de resposta imunológica do cérebro, no Sistema Nervoso Central, conhecida como microglia.
Geralmente a ativação desse tipo de inflamação libera radicais livres que podem causar danos extras às células, por oxidação. No entanto, não observamos diferença nos níveis do marcador de dano ao DNA (conhecido como 8-OHdG).
Ou seja, a inflamação não parece suficiente para comprometer a integridade das células. Talvez este efeito, que já foi observado em outros transtornos psiquiátricos, como o transtorno bipolar, esteja ligado à maior severidade dos casos, ou a pacientes diagnosticados há mais tempo.
Nosso estudo indica, portanto, que o estresse em decorrência da exposição a traumas na infância, especialmente abuso sexual infantil, causa alterações imunológicas importantes e duradouras.
A inflamação no cérebro afeta os neurônios durante o desenvolvimento, o que pode ser uma peça-chave para entender quais fatores podem prevenir o transtorno do pânico na fase adulta.
Esses achados podem abrir caminho para novas abordagens terapêuticas, inclusive o uso de medicamentos que atuem diretamente na regulação desse tipo específico de inflamação. Mais pesquisas são necessárias, mas estamos um o mais próximos de entender como o sofrimento vivido na infância pode repercutir de forma silenciosa — mas profunda — no corpo adulto.
Laiana Azevedo Quagliato recebe financiamento da FAPERJ.
Antonio Egídio Nardi recebe financiamento da FAPERJ e do CNPq.